quinta-feira, 7 de julho de 2011

JANELAS


Luz apenas em seus rostos

UM

Abra logo as janelas!

Rápido!

Deixe que entre...

OUTRO

Espere!

UM

Abra também todas as portas. Agora!

(Luz cegando a todos)

OUTRO

Não quero! Feche! Estou ficando cega!

UM

Saia daí! Reage! Precisa se mover.

OUTRO

Isso é desnecessário.

(Ambos iluminados sutilmente, se tornam quase uma sombra)

UM

Não tem que se sentir confortável... Estável... Está frio... Escuro...

Pra que tanto silêncio?

OUTRO

Eu gosto do silêncio. Ele me fala mais que esse turbilhão de ruídos.

Ouça! O- U- ÇA-! Ouvir o que vem daqui... Daqui... Só ouvir!

Você é capaz?

(Som de máquinas, multidão e carros)

UM

Mania de introspecção.

Abra agora essas janelas...

OUTRO

Meus nervos estão expostos.

Me isolo.

Me estouro.

Me arrebento.

Agüento o vazio e rompo com tudo isso.

UM

Preencha!

Insignificante... Insignificável...

Signifique!

OUTRO

As janelas são altas. Muito altas! Imensamente altas...

Olhe!

Pode ser fatal! Não quero cair.

Cair de novo... de novo... de novo... de novo e de novo.

Arrebentar no chão todos os ossos. Deixá-los expostos.

UM

Faz parte do combinado.

Os ossos intactos não sabem o valor do renascimento.

RENASCER! RESSUCITAR! RECOMENÇAR!

Mesquinha! Egoísta! Incapaz! Pretensiosa! Melindrosa...

Vai!

Abre as asas...

OUTRO

Asas! Asas... Não sou um pássaro... Nem um inseto!

Inseto... Insetos... Incertos vôos...

Quero o meu silêncio! Psiu!

Fechem. Fechem tudo. Janelas, portas, qualquer entrada de luz.

UM

Insuportável!

Vai ser bombardeado pelo seu próprio mundo.

Imoral!

Substituível!

OUTRO

Imortal!

Infinito!

Não escolha por mim.

Não deve.

UM

Mortal...

Finito...

Lastimavelmente... Covarde!

Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde! Covarde!

Repita comigo. CO- VAR- DE!

OUTRO

Não sou! Não sou! Não sou!

Me tornei algo!

Me tornaram algo!

Me impuseram algo.

Você! Eu?

Você? Eu!

Você! Eu?

EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU

EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU

EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU EU

Pensamento positivo!

(Risos)

UM

Abra as janelas. Veja-se no espelho. Se olhe!

NADA!

Recomece. A... BRA... A... BRA...

OUTRO

Fecho!

FE... CHO... FE... CHO... FE... CHO...

Logo meus cabelos vão ficar brancos. E meu rosto... Meu rosto vai se encher de riscos profundos marcados pelo tempo...

UM
Cadê você?

OUTRO

Não me acho! Não me acho! Não me encaixo nesse TODO!

UM

Você ontem!

Você hoje!

Você amanhã...

Você...

Depende de VO- CÊ!

OUTRO

Me diz...

E as janelas?

Por que são tão altas?

Vou abrir só as portas.

Tá muito escuro.

Vou voar...

Não! É muito alto!

UM

O seu silêncio?

Um suicídio involuntário.

Nada a dizer de concreto.

Subtexto... Contexto... Tudo desconexo!

OUTRO

Tá quente. Muito quente! Cada vez mais abafado... Sufocando... Asfixiando... Ar! Vento! Fôlego... (Respiração acelerada) Asfixiando...

Ar! Ar! Ar!...

UM

Não adianta querer entender. Não existe um certo ou errado. Tudo é possível se você estiver falando a verdade...

Escolhas. Lembra?

As suas... As minhas... As nossas...

OUTRO

As de todos!

UM

Olhos...

OUTRO

Você olhou!

UM

Mãos...

OUTRO

Você tocou!

UM

Boca...

OUTRO

Você beijou!

UM
OLHEI... TOQUEI... BEIJEI...

OUTRO

Eu quis! Escolhi! Fui capaz!

UM

Voe! Veja as janelas.

OUTRO

A luz... Ela me move como uma folha solta no vento.

Sem rumo...

(Barulho de multidão ensurdecedor)

Feche! Não ouço nada. Não consigo pensar... É insuportável...

Quero o meu silêncio!

(Batidas de portas e janelas. Barulho de multidão para bruscamente)

UM

Eu vou...

Não consigo mais ficar aqui... Nessa prisão... Sua... Não minha...

OUTRO
Pode ir.

Voe!

Não precisa ficar.

UM
Tá abafado... Sufocante!

Escuro...

Silencioso demais pra mim.

(Se afasta)

OUTRO

Feche bem as janelas... E tranque as portas. Não quero que mais ninguém entre aqui... Mais ninguém!

Só o silêncio... Só o meu silêncio!

(Apenas seu rosto mantém-se iluminado. Portas e janelas se fecham. Silêncio. Black out)

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