segunda-feira, 14 de março de 2011

PALAVRAS







Corredor de luz. Uma mulher caminha lentamente até atravessar todo o palco. Foco no fundo do palco uma cadeira. Muitos livros, folhas e pedaços de computadores espalhados pelo espaço. A mulher surge novamente.

MULHER: Ei! Estou aqui! Pare de me transformar em palavras. Eu sou real! Vem! (Ela vai até a cadeira e pega o livro) Você se esconde atrás das palavras e se esquece de viver. (Rasga vários livros) Pronto! Seu mundo acabou. ( Entra um homem. Se senta na cadeira e começa a digitar em diversos teclados espalhados a sua volta.)

HOMEM: A luz bate em seu rosto corado e ela sorri. São tão belos os seus olhos. E eles se iluminam ainda mais quando se encontram aos dele. As mãos se gelam, ela lhe beija a face acariciando de uma maneira única seus cabelos sobre a nuca. Ele estremece ao toque de suas mãos e ao estalar dos lábios em sua face rubra de paixão. Droga! O que estou fazendo?

MULHER: Você me sente? Minha pele, meu olhar... O meu cheiro se espalha pelo ar e vai até você na ânsia de te despertar para esse sentimento. Chega de palavras. Me ame! Sou tua! Não fique sonhando, imaginando... Sinta minhas mãos suadas... trêmulas... Você pode ser feliz nos meus braços. Venha! ( Estende os braços)

HOMEM: Naquele dia quando ela tocou suas mãos e sorriu. Ele quis dizer que não. Suas pupilas se dilataram ao encontrar o olhar dela. E ele teve a certeza de que era ela a luz que faltava em sua vida. ( Ela vai até ele e beija seus lábios delicadamente.Silêncio.)

MULHER: Foram três anos de nada. ( Foco em seu rosto) Apenas palavras, palavras, palavras e mais palavras... E eu fui esperando, esperando, esperando... Fui vivendo, vivendo, vivendo e vivendo... Tentando! Te buscando em cada migalha... Cada mínimo gesto... Palavras... (Corredor de luz azul ao fundo. Ela sai lentamente poe ele.)

HOMEM: Antes a distância os separava, mas agora ela estava ali. Linda! Plena! Perto de suas mãos e apaixonada. Doce como uma fruta madura e ele queria sentir o seu gosto, queria sentir aquilo intensamente.

(Mulher reaparece)

MULHER: Mas tinha antes que escrever o que sentia, ou melhor, o que queria sentir. Não podia sentir simplesmente. Se protegia de tudo... Tudo o que podia fazer com que ele sentisse o significado das palavras. Escrevia e escrevia. E eu amava... amava... amava... Sozinha!

HOMEM: O tempo foi passando e ele não tinha coragem... Tinha certeza que era real, mas fugia, temia que ela se fosse, antes de viver já previa o fim. Ele não suportaria. Ela era como o sol a lhe cegar com sua luz. E ele? Voltou as suas palavras. E resolveu esperar a hora certa.
Esperava... Esperava... Mas qual seria a hora certa pra viver o seu amor?

MULHER: O hoje! O agora! O momento!

HOMEM: Ela deixou de sorrir com o mesmo encanto e não olhava mais nos olhos dele como antes. Se transformou em uma noite sem luar. Se escondeu do mundo.

MULHER: Meu coração foi perdendo as forças. Foram tantos os momentos de saudade e de esperança... Um dia eu acreditava... Ele vem! No outro me decepcionava... Ele nunca viria! Eu não podia mais competir. Eu era apenas uma e elas eram muitas. Dezenas, centenas, milhares, bilhões...

HOMEM: Ele se entregou a elas para poder esquecer o seu toque, seu sorriso, seu cheiro, seus olhos cheios de desejo... Saudades!

MULHER: Saudades! (se abraça) Odeio sentir saudades daquilo que nunca tive. Queria tocar seus cabelos. A nuca macia. A respiração ofegante e face quente pronta para receber o beijo. Mas... Ele fugia. Não me ouvia! Não me via! E fez sua escolha...

HOMEM: Ele sofria no seu silêncio. Ele ouvia sua voz e tremia, via seu rosto e se entregava por inteiro... Sentia! Cada encontro um "talvez"sem fim.

MULHER: E ela foi secando seu sentimento, foi se escondendo, seus sonhos se desfizeram. A solidão se instalou por completo... Mas mesmo assim todas as noites seus olhos encontravam os dele em pensamento.

HOMEM: Seu carinho era o que dava sentido as suas palavras. Sua luz foi se apagando... apagando, sem que ele percebesse. Ele permanecia incerto, percorria seus sentimentos e não conseguia perder o medo... Mas a amava como nunca. A lembrança dos abraços...

MULHER: O amor era maior que as forças para tentar esquecer de vez aquilo que nunca poderia acontecer. Ele não viria. Estranho! Apenas olhares, toque singelo, cheiro, mãos frias e suadas, nada mais... Mas ao mesmo tempo aquilo era tudo! Verdadeiro e inesquecivelmente apaixonante. Movia tudo a sua volta. O gosto do beijo que nunca aconteceu... Estava presente nos seus sonhos.

HOMEM: Ele percebeu que precisava acreditar e que tudo estava cada vez mais intenso e ele viu que ela se afastou, desistiu... Talvez?

MULHER: Ela viu que tudo era ilusão. Solidão! Amor de romance...

HOMEM: E ele resolveu segurar suas mãos e olhar em seus olhos...

MULHER: E ela resolveu desaparecer, nunca mais queria encontrar aqueles olhos inebriantes. Seu coração não aguentava mais e já batia descompassado. E foi numa noite solitária e quente que...
HOMEM: Decidi!

MULHER: Tranquei a porta do apartamento e olhei pela janela fechada. Aquilo me sufocava! Não suportava mais as lembranças... o nada!

HOMEM: Ele saiu e foi até ela. Correu pelas ruas e brigou contra o tempo. Nunca chegava. A ansiedade o dominava. Parou o carro. Olhou para a janela. A luz acessa acusava que ela estava lá. Linda! Subiu! Sorriu diante da porta fechada. Não acreditava... Olhou para campainha do apartamento. Estava pronto para dizer tudo... Viver tudo! Queria aquele amor sem lamentos...

MULHER: Podia ouvir meus batimentos cardíacos... Chorava em silêncio!

HOMEM: Ele tremia e suava. Sua respiração era tensa e rápida. Queria ver logo o rosto dela na sua frente. Aquele rosto tão querido, terno... Queria sentir de verdade o gosto do seu beijo. Queria se perder em seus cabelos...

MULHER: Abri a janela! ( Corredor de luz azul) O som dos carros invadiram o apartamento. Peguei o meu notebook e junto com ele todos os livros... Joguei tudo pela janela. Tocou a campainha! Não queria ver ninguém!

HOMEM:
Tocou a campainha! Tocou várias vezes. Queria sentir seu corpo junto ao dele. Ele se desesperava com a espera. (Barulho de campainha repetidamente)

MULHER: (Olha pelo corredor de luz) Subi! Não queria ver ninguém. Mais ninguém. Ele não viria mesmo. Senti o vento em meu rosto quente. Não tive medo. Aliás o medo era parte dele e não queria mais lutar para entender seus medos. Fechei meus olhos e lembrei... Lembrei do último olhar... Lembrei das nossas mãos e do desejo incontrolável... Não quis mais lembrar,quis esquecer... Pulei! (Corredor apaga-se. Barulho de campainha, sirenes, gritos e murmúrios)

HOMEM: Foram gritos ensurdecedores. Ele perdeu os sentidos por alguns instantes. E naquele momento todas as palavras se perderam, se foram junto com ela no seu ato insano. Ela levou tudo dele. Tudo mesmo. Sua alma se tornou um vazio medonho e triste... Uma terra infértil numa escuridão infinita. ( Caminha até a cadeira e vai juntando as folhas do livro espalhadas pelo chão. Senta-se.) Tudo aquilo que estava escrito fazia parte deles. Cada frase um momento, cada palavra um sentimento. A saudade do que nunca viveu... Tudo se foi... Ficaram as lembranças, o carinho, não podia esquecer jamais... Nada apagaria as suas lembranças. (Voz da Mulher)

MULHER: Ei! Estou aqui! Pare de me transformar em palavras. Eu sou real. Olhe nos meus olhos! Segure as minhas mãos... Vem! (Corredor de luz azul novamente. Ele olha para o corredor e levanta-se.)

HOMEM: (Joga as folhas no chão) A luz do sol... Calor! Nenhuma palavra pode definir... O tamanho da minha dor... Eu vou! (Corre pelo corredor. Barulho de sirenes, gritos e murmúrios se repetem. Silêncio. Black out)

quarta-feira, 9 de março de 2011

"E ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE"



Muitas vezes nós dramaturgos nos perguntamos, afinal, o que é teatral?
O teatral faz com que a nossa linguagem como dramaturgos fique traçada na peça, onde podemos esconder os nossos desejos e objetivos.


Teatral é tudo aquilo que é capaz de prender, focar, envolver o espectador durante uma peça. E isso que faz o ambiente se tornar mágico tanto para os artistas quanto para o espectador. São os momentos teatrais que nos mostram o que é importante para o dramaturgo dentro da história.



O que move um texto dramatúrgico?



A ação. Um texto teatral é feito de ações sequênciais que nos tiram de uma estase inicial e nos levam sempre ao desenvolvimento de um conflito, que gera um clímax e chega a uma estase final.



Existe em uma peça um jogo entre primeiramente o dramaturgo e o seu leitor, depois entre o dramaturgo e os artistas que vão desenvolver seu jogo no palco e em terceiro de todos os artistas envolvidos com os espectadores.



No texto existe uma literatura, sim, porque dramaturgia também é literatura, não se esqueçam disso. A literaturatura dramatúrgica sabe dialogar entre a lírica e a épica sem agredir a nenhuma delas. Sua forma permite que o dramaturgo desenvolva seu texto como e com o que achar melhor para o seu objetivo final que sempre é o de chegar ao público da melhor maneira possível.



Alguns se esquecem que é o público o nosso material de trabalho, pois é na vida que buscamos a matéria - prima dos nossos textos. Não importa a época e sim o que ela tem a nos dizer de novo.



Cada fase da humanidade tem suas próprias características, conflitos e ansiedades humanas e tudo isso que sustenta a arte por tantosa longos milhões de anos. Sem os anseios humanos o homem não precisaria da arte para ver refletido nela sua alma, sua vida, sua morte.



O personagem é o capitão desse barco e é através dele que se conduz o público pelo mar de emoções que vão surgir durante a exposição do texto.



Nada supera uma peça bem articulada e o dramturgo que observa a sua existência pelo olhos amplos de quem sente a vida a sua volta.



Sófocles, Plauto, Molliére, Shekespeare, Brecht entre outros grandes nomes da nossa dramaturgia universal só se imortalizaram porque falavam ao seu tempo, a luz da sua época e trabalhavam com o material humano que eram a sua sociedade.



Nunca devemos nos esquecer de olhar, olhar, olhar e olhar, com os sentidos aguçados para qualquer sinal se desarmar de conceitos, regras e morais que são grandes inimigos da criação artística.



"E assim caminha a humanidade", como diz a música. E a dramaturgia nunca vai deixar de ser o espelho desse mundo tão cheio de novidades e surpresas.



Vamos caminhar firmes então? Sem medo de errar, pois o erro faz o homem se modificar. E arte é a própria humanidade. E isso é teatral.